29 maio 2007

O Incidente do Vick Vaporub

Meus caros, tem coisas que só a experiência de prestar assistência jurídica gratuita pode proporcionar. Tem o lado bonito da coisa, que é ajudar as pessoas. Lógico que vez ou outra você vai sair dali se sentindo uma merda por não poder fazer nada pela pessoa que te procurou achando que você seria capaz de ajudar, resolver os problemas. Sério, poucas coisas me comoveram tanto como o dia que atendi uma senhorinha analfabeta e ao fim, no aperto de mão ela me olhou nos olhos dizendo que fui maravilhosa só porque fui atenciosa no atendimento. Sério, que mundo merda é esse onde você não pode dar atenção pra uma pessoa que só quer um pouco de orientação? Enfim, esse é o lado bonitinho.

Mas tem o lado surreal e galhofa também. Estou eu de bobeira quando perguntam se alguém pode atender um cliente. Eu digo que posso e lá vem um senhor conversar comigo. Começa a contar uma história muito longa e complicada sobre o casamento dele. Ele tá ali porque quer orientações sobre divórcio. Por enquanto eu estou quieta ouvindo o relato do caso, dando atenção. E aí a coisa descamba pra um caso criminal de agressões mútuas, cegueira parcial e o que de agora em diante será para sempre citado por mim como O Incidente do Vick Vaporub.

Tá lá o cara contando das agressões mútuas, que a mulher vira panelas de comida na cabeça dele, que quebra a porra toda na casa e etc. Até aí tudo bem, nada de novo. Aí que o cara vira e fala "pra advogado a gente conta a verdade" e começa a contar O Incidente do Vick Vaporub:

- Um dia eu acordei de madrugada com ela passando Vick Vaporub na minha cara, nos meus olhos, no meu peru (ênfase na pronúncia do "e"), na minha bunda e tentou enfiar um cabo de vassoura no meu rabo.
- Entendo...(fazendo minha cara mais blasé mas gargalhando por dentro)

Olha, depois eu gargalhei horrores, mas vivi momentos de tensão. Dava pra cortar a tensão da sala com uma faca. Eu ali, mantendo a pose. Me mantive séria, impassível. E mereço uma porra de um Oscar por isso! Queria ver alguém mais ouvindo isso sem ao menos esboçar um sorriso. Nessas horas você pensa trocentas coisas ao mesmo tempo. Eu repetia mentalmente "não ria!", lembrava do episódio de Coupling do "giggle loop" (que é sobre rir em momentos inoportunos, você segura o riso até que uma hora ele vira uma gargalhada constrangedora), pensei "não, isso não tá acontecendo, ele não falou isso, ele não disse que a mulher passou Vick nele e tentou enfiar um cabo de vassoura no rabo...". Eu acho que cheguei até a prender a respiração. E depois de contar todos os absurdos ainda me ofereceu uma balinha de hortelã como se nada tivesse acontecido.

Eu queria que isso fosse um delírio absurdo, mas a situação toda era bem real. Ali estava um senhor de meia idade me contando aquelas coisas todas e esperando de mim uma orientação profissional. Bem, pra segurar a onda comecei uma breve explicação sobre lesões corporais antes de encaminhá-lo ao atendimento na área criminal. O cara agradeceu, foi embora e eu saí correndo dali. Pouco tempo depois estou eu na minha mesa no trabalho e ligo pra uma amiga contando tudo. Encolhida na minha estação de trabalho e falando baixo, claro. Tudo muito surreal. Depois dessa acho que encaro qualquer caso estranho que me contarem sem rir. Um verdadeiro teste de auto-controle.

Ah, a assistência jurídica gratuita. Fonte inesgotável de histórias surreais.
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24 maio 2007

Vidinha surreal: Atraindo caçadores de assunto

Eu não suporto caçadores de assunto. De verdade. Aqueles desconhecidos que não têm nada pra dizer mas adoram fazer uma social em fila de banco, ônibus, etc. Eu não sou uma pessoa muito paciente (pelo menos não me acho), ainda mais agora que tenho uns surtos psicóticos de mau-humor demoníaco por causa de certas atribuições. Mas eu já to fugindo do assunto. Bem, nossa história começa num ônibus.

Saio eu de casa pro trabalho e como boa preguiçosa pego um ônibus pro metrô. Tantos lugares vagos e eu sento do lado de um garotinho com uniforme de escola pública. Ele me pergunta as horas, respondo. Nada demais. O garotinho resmunga que odiou a nova lei pra escolas públicas. Eu, me achando alienada, pergunto "que lei?". E foi aí que eu me fodi. "Aquela que diz que não pode reprovar aluno". Alívio, eu sabia dessa determinação, já não me acho mais tão alienada. Dali pra frente o moleque se achou no direito de estabelecer um diálogo. Por diálogo entenda-se ele falando mais que pobre na chuva e eu monossilábica ou então mandando um "hum...", "aham...", sem sequer manter contato visual. O moleque fala que a mãe é delegada, não, na verdade a mãe é advogada, ele se confundiu. Me pergunta se o feminino de delegado é mesmo delegada, eu confirmo. A essa altura eu já to me lamentando horrores de ter sentado do lado da mala infantil. Chega o ponto do metrô e eu respiro aliviada achando que me livrei. Mas não, ele também vai pegar o metrô. E no mesmo sentido que eu. Murphy me ama.

Na hora de atravessar a rua deixo o moleque ir na frente, finjo que fiquei presa no sinal, essas coisas. Tudo pra me livrar da malinha. Respiro aliviada, ele já tá bem na frente. Caminho em direção à estação (lentamente pra ampliar a distância) e na plataforma e acho que foram os 5 minutos mais longos da minha vida. O moleque parou e me esperou pra torrar mais um pouco o meu saco. Nova leva de perguntas. "quando a senhora era da minha idade, o que queria ser quando crescer?". Pequeno adendo, é só colocar um terninho que você vira senhora, é foda! Eu, de saco cheio mas educadinha respondo "advogada". "E a senhora é?". Rio ao lembrar que escolhi a carreira muito, muito cedo. Lembro umas besteiras pelo caminho e respondo "quase isso...". A mala infantil então usa isso pra falar, falar e falar que o sonho dele é ser fuzileiro naval, que ele tem um tio fuzileiro, que a Marinha deve ser legal pra conhecer o mundo, viajar. Meu lado mau interfere, "não é só viajar". Here we go again. Ele fala da mãe que diz que estudando a gente treina pra lutar no mundo. Odeio essa história de lutar, parece papo de crente. Enfim. Fala que ele é o melhor aluno da turma, que tá na 5ª série, que as outras crianças da turma dele pegam no pé só porque ele é inteligente e por causa de um machucado na mão (que ele mostra, óbvio). Ele pergunta se eu era inteligente no colégio. De novo lembro do meu passado acadêmico, rio e respondo "sim, o suficiente". Ele pergunta se pegavam no meu pé e digo que não. Ei, eu não tenho culpa se pegam no pé dele, eu não tava a fim de mentir pra ser solidária. Ele diz que estudava em escola particular mas quem pagava era a avó mas aí ela ficou adoentada (usou esse termo) e ele foi pra escola pública, mas que ia voltar pra particular ano que vem. Disse que como passou de ano ganhou um videogame que fica na casa da avó, abriu a pasta e me mostrou um controle de Playstation dizendo que tava indo pra lá e ia jogar e etc. Eu lembro de quando eu fui refém dos meus pais com essa história de ganhar videogame se passasse de ano. Pais não mudam mesmo.

Lembro que eu estou carregando um livro e decido usar uma pausa pra respirar do moleque pra ler. Leio sem afastar meu olhar do livro. E quem disse que adianta...

- Esse livro é de quê?
- Arbitragem.
- De futebol??? (já querendo se animar)
- Direito.

Eu respondi sem olhar pra ele, mas quem disse que isso adiantou? "Ah, eu gosto de ler também. Ler é importante né, blá blá blá" e eu me concentro no livro a ponto de não lembrar das tagarelices do moleque nessa hora. Até que ele me avisa que o metrô chegou. Entro lendo. Sem parar. Ele fica relativamente perto. Resolve ler a capa do livro e fala em voz alta "Lei 9.307, artigo 96". Na capa do livro tem escrito Lei 9.307/96. Sendo que o "/96" se refere ao ano da lei. Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996. Tenho o ímpeto de corrigir, mas deixo pra lá. É melhor ignorar. Continuo lendo. Aí ele vem e fala "desculpa, nem me apresentei, meu nome é Gabriel" e estende a mão. Aperto a mão do moleque pensando "agora chega né?". Não digo meu nome e continuo lendo. Até que chega a estação dele e ele me diz tchau. 2 vezes! E eu tinha respondido na primeira! Enfim livre da mala infantil. Chego no trabalho e conto que aturei um caçador de assunto infantil. Explico a expressão. Riem, óbvio, mas também falam: "ah, mas criança não tem noção mesmo, só você pra achar que ler ia adiantar". Humpf...eu não era assim.

Acho que essa história aí é meio que a retribuição kármica de uma piadinha mental. Explico: antes de pegar o ônibus passei por uma banca de jornal que tinha uma dessas revistas espíritas com o Chico Xavier na capa. Ao ver a foto, reparei no cabelo e imediatamente comecei a rir sozinha pensando "seria Chico Xavier emo?". Foi castigo esse moleque chato aparecer no meu caminho! hehehe

Acho que não quero mais nenhuma interação social com desconhecidos por um bom tempo. Traumatizei.
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21 maio 2007

Reclusão acadêmica

Já ouviram falar nesse termo? Pois é, estou em reclusão acadêmica. Preciso terminar minha monografia. Enquanto isso nada de sair. A última vez que saí, hum, faz quase um mês. Parece que foi em outro plano de existência. Enquanto isso, uma das poucas coisas que ainda faço enquanto estou digitando no computador é ouvir/baixar música.

Eu sou uma criaturinha infame, mas isso já deixei claro ao longo dos posts anteriores. A última infâmia que eu inventei é dar um jeito de inserir referências das bandas que eu escuto na monografia. Estamos falando de um tema jurídico misturado com bandas desconhecidas. Já identifiquei o melhor ponto de infâmia: os agradecimentos. Cheguei a rascunhar alguma coisa nesse sentido mas ser infame nos agradecimentos sem ser desrespeitosa é algo que requer cuidado na escolha das palavras. E esse tipo de cuidado requer tempo. Bem, tempo é algo de que não disponho agora. Pelo menos não em grande quantidade. E você sabe que a sua sanidade foi pro cacete quando você pensa seriamente em ser infame em algo tão importante quanto uma monografia.

Pra piorar, to eu na minha, numa boa, quando chega um e-mail da amiga que se casou. E ela diz que eu sou a madrinha mesmo porque, e eu cito as palavras exatas dela, "sem o seu consentimento eu não teria dado uma chance ao fulano". What the hell?!? Perae, eu falei pra ela que se ela tava a fim que ficasse com o cara. Quem decidiu namorar e casar depois foi ela! Consentimento? Porra, me senti o próprio Don Corleone. Isso é muito Teoria do Caos pra mim. E se eu não tivesse consentido (argh) como ela disse, quer dizer que nada disso teria acontecido? E se tiverem filhos um dia, quer dizer que aquela criança não existiria sem o meu consentimento (argh)? E se o casamento der errado (que isso jamais aconteça!), a culpa vai ser minha?!? No way!!!

E agora eu saio por aí decidindo a vida dos meus amigos por acaso? Eu hein, eu mal decido a minha vida, que dirá tomar decisões pelos outros. You can leave me out! Nada de me designar uma autoridade/responsabilidade que eu não tenho de fato. Tanto jeito bonitinho de falar "não existiria "nós" sem você" e ela me vem com essa. What the hell! Consentimento foi uma palavra péssima. Consentimento me lembra aquela parte de Alta Fidelidade que o Rob procura a menina que não queria dar pra ele mas deu pra outro cara e ela diz que só não foi estupro porque ela consentiu, mas que pra ela foi algo bem próximo disso.

Mas tudo bem né? Tudo é fofo e cor de rosa na terra do carinho. Enquanto isso é melhor eu voltar pra minha rotina de produzir ou perecer. É infinitamente melhor do que achar que a minha opinião é lei.
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10 maio 2007

E a vida segue...

Eis que o dia amanheceu hoje chuvoso, friozinho. Eu acordei no susto, atrasada. Abri os olhos, olhei o relógio e levantei da cama num pulo enquanto soltava o tradicional "puta que pariu, to atrasada!". Até aí nada, me atrasar de manhã não chega a ser algo catastrófico. Bem, não seria nada demais se hoje não fosse o dia do casamento da sua amiga e ela contasse com a sua presença. Cheguei atrasada? Sim. Mas cheguei. É isso que importa. "Ei, motoqueira!". Sério, foi assim que eu fui saudada. Não, eu não tenho moto. Tudo culpa da jaqueta de couro. Sorriso tímido. Abraço a mãe da minha amiga, aquela que há anos virou "tia". Vamos lá, chegou a hora de assinar os papéis e abandonar a vida de solteira.

Engraçado como eventos assim fazem pensar. Como a gente fica piegas nesses momentos, meu Deus. Tudo que eu conseguia pensar era que minha amiga estava cortando o cordão umbilical. De repente lembrei de quando nos conhecemos. Um ano resolveram marcar o lugar dos alunos em sala de aula e acabamos sentando perto uma da outra. Um dia numa aula de matemática não entendo o exercício proposto (nunca gostei de matemática e a recíproca é verdadeira), ela então me explica. "Hum, entendi...brigada". Daí começamos a conversar. Eu enxerguei por trás da imagem de CDF. Sabe-se lá o que ela enxergou por trás da minha fachada tímida. E lá se vão 15 anos. Páro pra pensar e percebo que ela faz parte da maior parte da minha vida.

Tudo acaba. Oficialmente casados. E eu tenho que correr pro trabalho, nada de almoço comemorativo pra mim. Sou puxada num canto pela mãe da minha amiga. Não lembro das exatas palavras, mas ela me pede que continuemos a cuidar uma da outra. Respondo que não saberia fazer nada diferente disso. Um último abraço antes de ir e já temos a data marcada do open house com doses de vinho do porto. Provavelmente vou levar um vinho tinto e ouvirei piadinhas.

E esse post saiu completamente diferente do que eu pensei que sairia. Pensei que eu me limitaria a escrever uma nota sobre os acontecimentos do dia, aquela coisa escrotinha de querido diário. Acabei escrevendo aqui um emaranhado de memórias soltas e frases perdidas. Bem, agora chega, afinal, eu ainda sou fria e racional como um antigo soldado soviético...


p.s: Eu podia falar do jogo de ontem. Da bravura dos heróis do Flamengo que lutaram até o final. Da torcida que deu show empurrando o time sem parar um instante sequer e soube aplaudir o time, mesmo eliminado. A noite de ontem serviu pra me dar mais orgulho ainda do meu time. Serviu pra mostrar que não há equipe com mais raça e nem torcida mais apaixonada. Mas futebol perde um pouco o sentido num dia como o de hoje né?
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06 maio 2007

Um gif animado tosco feito por mim em poucos minutos vale mais que mil palavras...

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02 maio 2007

Maluquices cotidianas e chás de panela

Então tá né, agora eu tenho 26 anos. O quarto de século foi deixado pra trás e eu estou mais próxima dos 30 do que dos 20. Não que isso vá fazer alguma diferença significativa. Continuo me achando uma irresponsável de 22 com surtos responsáveis de 35. Complicado? Bem, talvez.

A questão é que a gente vai crescendo e chás de panela se multiplicam na nossa vida (sem contar chás de bebê, que me assustam horrores). Teoricamente chá de panela é uma coisa fácil. A pessoa cria uma lista (preferencialmente num site. Século XXI, 2007 né gente...) e você vai lá, escolhe um item e compra. No big deal. O problema é que pra mim comprar algo de uma lista tem sempre alguma razão ulterior. Tipo, eu não escolho a esmo e compro. Tudo é uma questão do que você quer dizer com aquilo. Ou do que você não quer dizer. Por exemplo, quando uma amiga se casou foi lá e colocou uma lista num site. E eu vendo aquilo. Assadeiras, panelas, talheres, rechaud e etc. E eu pensando "hum, mas eu não quero ser associada a um rechaud" ou então "eu não quero ser lembrada por uma assadeira". Então o que fiz eu? Comprei taças de champagne. E redigi todo um texto pretensioso, pedante e piegas associando as taças a comemorações, brindes, felicidade (E o texto do cartão começou assim: dentre as possibilidades de presentes escolhi essas taças. Eu sei, você vai apelar pra piada fácil e dizer que de mim esperava mesmo algo com alguma inclinação alcoólica, mas não é isso. Pensei nas taças como um permanente brinde que faço à felicidade de vocês).

E a questão era bem essa. Se vão lembrar quem deu o que, prefiro ser lembrada por taças do que por assadeiras, rechauds ou panelas. É que esse é o lado real das coisas. A rotina. E eu ainda prefiro ficar com a parte mais divertida da coisa.

Aí uma outra amiga vai casar e resolveu ser do contra e não fazer lista. Pra quê facilitar né? Pois é. E já que ela não fez lista pergunto diretamente o que ela quer e ela me diz que eu posso comprar um jogo de cama pra ela. Ok, tranqüilo, um jogo de cama coming right up. Mas aí eu páro, penso, e começo a surtar. Porque, veja você, de repente eu estarei associada à cama. E aí tem todo o horror e péssimas imagens mentais de que podem trepar no jogo de cama que eu der. E, sério, eu não preciso me sentir parte da vida sexual dos meus amigos. Eu não quero associação alguma com a vida sexual deles.

Tá, isso pode (deve) ter soado paranóico. Uma coisa meio Woody Allen (e eu nem gosto dele), mas a questão é que eu tenho que comprar coisas pra dois chás de panela e sou indecisa demais pra isso por toda a questão de dar significado (ou evitar associações) a tudo. Veja bem, eu não sou de falar, eu sou uma pessoa de pequenos gestos, lógico que objetos teriam uma espécie de "função social" (pra me ater a termos jurídicos). Mas até sexta-feira tudo estará resolvido. Até porque nos dois casos o tempo urge. Daqui a pouco já tem até open house pós-casamento. Enfim, lá vou eu de novo pensar no que comprar e abstrair o uso libidinoso do jogo de cama.
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