24 maio 2007

Vidinha surreal: Atraindo caçadores de assunto

Eu não suporto caçadores de assunto. De verdade. Aqueles desconhecidos que não têm nada pra dizer mas adoram fazer uma social em fila de banco, ônibus, etc. Eu não sou uma pessoa muito paciente (pelo menos não me acho), ainda mais agora que tenho uns surtos psicóticos de mau-humor demoníaco por causa de certas atribuições. Mas eu já to fugindo do assunto. Bem, nossa história começa num ônibus.

Saio eu de casa pro trabalho e como boa preguiçosa pego um ônibus pro metrô. Tantos lugares vagos e eu sento do lado de um garotinho com uniforme de escola pública. Ele me pergunta as horas, respondo. Nada demais. O garotinho resmunga que odiou a nova lei pra escolas públicas. Eu, me achando alienada, pergunto "que lei?". E foi aí que eu me fodi. "Aquela que diz que não pode reprovar aluno". Alívio, eu sabia dessa determinação, já não me acho mais tão alienada. Dali pra frente o moleque se achou no direito de estabelecer um diálogo. Por diálogo entenda-se ele falando mais que pobre na chuva e eu monossilábica ou então mandando um "hum...", "aham...", sem sequer manter contato visual. O moleque fala que a mãe é delegada, não, na verdade a mãe é advogada, ele se confundiu. Me pergunta se o feminino de delegado é mesmo delegada, eu confirmo. A essa altura eu já to me lamentando horrores de ter sentado do lado da mala infantil. Chega o ponto do metrô e eu respiro aliviada achando que me livrei. Mas não, ele também vai pegar o metrô. E no mesmo sentido que eu. Murphy me ama.

Na hora de atravessar a rua deixo o moleque ir na frente, finjo que fiquei presa no sinal, essas coisas. Tudo pra me livrar da malinha. Respiro aliviada, ele já tá bem na frente. Caminho em direção à estação (lentamente pra ampliar a distância) e na plataforma e acho que foram os 5 minutos mais longos da minha vida. O moleque parou e me esperou pra torrar mais um pouco o meu saco. Nova leva de perguntas. "quando a senhora era da minha idade, o que queria ser quando crescer?". Pequeno adendo, é só colocar um terninho que você vira senhora, é foda! Eu, de saco cheio mas educadinha respondo "advogada". "E a senhora é?". Rio ao lembrar que escolhi a carreira muito, muito cedo. Lembro umas besteiras pelo caminho e respondo "quase isso...". A mala infantil então usa isso pra falar, falar e falar que o sonho dele é ser fuzileiro naval, que ele tem um tio fuzileiro, que a Marinha deve ser legal pra conhecer o mundo, viajar. Meu lado mau interfere, "não é só viajar". Here we go again. Ele fala da mãe que diz que estudando a gente treina pra lutar no mundo. Odeio essa história de lutar, parece papo de crente. Enfim. Fala que ele é o melhor aluno da turma, que tá na 5ª série, que as outras crianças da turma dele pegam no pé só porque ele é inteligente e por causa de um machucado na mão (que ele mostra, óbvio). Ele pergunta se eu era inteligente no colégio. De novo lembro do meu passado acadêmico, rio e respondo "sim, o suficiente". Ele pergunta se pegavam no meu pé e digo que não. Ei, eu não tenho culpa se pegam no pé dele, eu não tava a fim de mentir pra ser solidária. Ele diz que estudava em escola particular mas quem pagava era a avó mas aí ela ficou adoentada (usou esse termo) e ele foi pra escola pública, mas que ia voltar pra particular ano que vem. Disse que como passou de ano ganhou um videogame que fica na casa da avó, abriu a pasta e me mostrou um controle de Playstation dizendo que tava indo pra lá e ia jogar e etc. Eu lembro de quando eu fui refém dos meus pais com essa história de ganhar videogame se passasse de ano. Pais não mudam mesmo.

Lembro que eu estou carregando um livro e decido usar uma pausa pra respirar do moleque pra ler. Leio sem afastar meu olhar do livro. E quem disse que adianta...

- Esse livro é de quê?
- Arbitragem.
- De futebol??? (já querendo se animar)
- Direito.

Eu respondi sem olhar pra ele, mas quem disse que isso adiantou? "Ah, eu gosto de ler também. Ler é importante né, blá blá blá" e eu me concentro no livro a ponto de não lembrar das tagarelices do moleque nessa hora. Até que ele me avisa que o metrô chegou. Entro lendo. Sem parar. Ele fica relativamente perto. Resolve ler a capa do livro e fala em voz alta "Lei 9.307, artigo 96". Na capa do livro tem escrito Lei 9.307/96. Sendo que o "/96" se refere ao ano da lei. Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996. Tenho o ímpeto de corrigir, mas deixo pra lá. É melhor ignorar. Continuo lendo. Aí ele vem e fala "desculpa, nem me apresentei, meu nome é Gabriel" e estende a mão. Aperto a mão do moleque pensando "agora chega né?". Não digo meu nome e continuo lendo. Até que chega a estação dele e ele me diz tchau. 2 vezes! E eu tinha respondido na primeira! Enfim livre da mala infantil. Chego no trabalho e conto que aturei um caçador de assunto infantil. Explico a expressão. Riem, óbvio, mas também falam: "ah, mas criança não tem noção mesmo, só você pra achar que ler ia adiantar". Humpf...eu não era assim.

Acho que essa história aí é meio que a retribuição kármica de uma piadinha mental. Explico: antes de pegar o ônibus passei por uma banca de jornal que tinha uma dessas revistas espíritas com o Chico Xavier na capa. Ao ver a foto, reparei no cabelo e imediatamente comecei a rir sozinha pensando "seria Chico Xavier emo?". Foi castigo esse moleque chato aparecer no meu caminho! hehehe

Acho que não quero mais nenhuma interação social com desconhecidos por um bom tempo. Traumatizei.
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