12 agosto 2008

Das pieguices cotidianas

Quem trabalha no Centro do Rio (mas este problema é o mesmo em várias cidades) sabe como é uma merda estacionar de manhã. Ou você morre numa grana de estacionamento ou você madruga pra arrumar uma vaga na rua. Madrugar não é comigo.

Tem um estacionamento que fica na mesma quadra do trabalho, só preciso andar uns poucos metros e todo o trajeto sem me sujeitar aos sabores do clima. Acontece que esse estacionamento cobra a módica quantia mensal de 250 dinheiros. E aí eu decidi deixar meu carro numa rua mais atrás por 150 dinheiros mensais enquanto fazia mentalmente a conversão em álcool dos 100 dinheiros economizados. Isso tudo é prefácio.

Pois bem, estava eu caminhando pro trabalho, aquelas buzinas miseráveis de quem não quer esperar nem um segundo após o sinal ficar verde e me vem à cabeça Mark Whalberg gritando "stand up and shoooooooooooout" com aquele agudo típico do metal. Acertou quem lembrou do filme Rockstar. O filme é uma bomba, mas de tempos em tempos me pego assistindo essa coisa quando ele aparece perdido numa HBO da vida. Aí começa a entrar a pieguice.

Rockstar me lembra um professor de História que eu tive. Cara genial. Um aficcionado por futebol (com livro editado e tudo), acadêmico promissor, autor recomendado. Talvez o grande defeito dele seja ter torcido para o Botafogo, mas isso é perdoável. Enfim, ele sempre acabava citando Rockstar de um jeito que, juro, nem soava piegas. Muito embora, admito, o que vou contar agora soe absurdamente piegas. Ele citava o filme e nos falava pra nunca desistirmos de nossos sonhos. Ele gostava de analogias desse tipo.

Imediatamente me vi pensando em poucos minutos numa infinidade de coisas. Me vi numa sala de aula, ouvindo suas histórias. Aquela sobre a verdadeira origem de umas canções de ninar. O vi novamente no tablado com todos os gestos característicos. Ouvi sua voz com a mesma clareza de anos atrás. Lembrei do cara que me fez pensar em prestar vestibular pra História e cursar essa faculdade por puro diletantismo, concomitantemente com Direito.

Lembrei do discurso do capitão do navio do qual todos fazíamos parte. Lembrei daquele tempo em que eu tinha aula de segunda a segunda non stop. Lembrei de uma das frases mais famosas: estou aqui para lembrá-los do que vocês esqueceram. Enfim, discursos e piadinhas que faziam parte dos meus dias. Coisas que talvez façam sentido só pra mim e para os demais ex-alunos.

A vida seguiu, passei a freqüentar outras salas de aula, com outros professores, tratando de temas diferentes, mas sempre lembrando com carinho daquele tempo. Um dia fui surpreendida com a notícia de que ele tinha morrido. Coisa besta, acidente de moto. O motorista do carro que o atingiu fugiu sem prestar socorro. Imaginá-lo caído numa rua me doeu mais do que eu podia imaginar. Lembrei dO Processo. "Como um cachorro". Aquela figura querida. Não, não era justo.

Subitamente as imagens desaparecem. Não me vejo mais de jeans, tênis e camiseta numa sala de aula. Não lembro do tablado, dos fins de semana intensivos de estudo. Me vejo entre prédios, com o uniforme de trabalho, com assuntos a resolver e responsabilidades que matariam de medo aquela adolescente. Hoje em dia me são triviais. Comes with the territory.

Fui caminhando pelo trajeto habitual, cheguei no trabalho e suspirei enquanto pendurava o cordão do crachá no pescoço. Saudade, mestre.
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