23 setembro 2007

Engraçado como a vida às vezes parece aquele joguinho de tabuleiro, Jogo da Vida. Eu lembro que eu jogava aquilo quando tinha uns 12 anos e eu já sabia todas as respostas. Eu sempre queria ser advogada. E ainda negociava uma burla coletiva às regras do jogo. Minha proposta era simples, eu virava pros meus amiguinhos e falava: "Eu quero ser advogada. Vocês topam pular essa parte de sorteio de profissão? Começa todo mundo na primeira casa depois dessa parte e cada um escolhe a profissão que quiser". Eu não queria ser cientista, professora universitária, médica nem nada. Eu queria ser advogada.

Todo mundo que já jogou isso sabe que em algum momento do jogo você pode acabar se casando e tendo filhos. Eu vivia dizendo que não teria filhos (aos 12 anos eu tinha um monte de idéias definidas na minha cabeça) e, ironicamente, quando eu falava isso eu tinha vários filhos no jogo. Bem, se passaram 14 anos. A maternidade não é algo que eu tenha descartado por completo, mas não tenho a menor pressa.

Outra coisa curiosa sobre esse jogo é a imagem da caixa. Todos aqueles clichês. Diploma, uma calculadora HP 12C, talão de cheques, passaporte, chave do carro, câmera foda da época, etc. É a mesa do home office de alguém bem sucedido. É a imagem que eles vendem. Interessante essa simplificação toda. A imagem da caixa e sua mensagem subliminar de que a vida é composta de símbolos de status. O diploma universitário, dinheiro, propriedade, importância profissional. Engraçado pensar que eu moro com alguém que tem uma calculadora que ficava na imagem da caixa de um jogo da minha infância.

Mas o que me fez pensar nisso tudo? Bem, na verdade o jogo da vida é uma alegoria. O que realmente tava na minha cabeça é essa idéia de símbolos de status. A imagem vinculada a algumas profissões. A minha por exemplo. Lembro que me perguntaram se eu queria um anel de grau. Recusei. Nunca fui fã da idéia de anel de grau. Acho isso uma coisa meio jeca. Dos tempos da minha bisavó. Um símbolo de status arcaico. Olha só o "dotô". Não, isso não é pra mim. Mas é óbvio que eu ganhei presente de formatura.

Meu presente foi um relógio. Adoro relógios. Mas não foi qualquer um. Foi um Fendi. Quando abri a caixa e vi aquele relógio lindo, quadradinho, fundo preto, pequeno, pulseira de couro preta, lembrei imediatamente do jogo da vida e seus símbolos. Era um relógio de gente grande. De adulto. Era um relógio condizente com a pompa e circunstância que envolve a carreira. Um relógio que veio com o discurso "sentimos muito orgulho de você". E me pegou de surpresa. De verdade.

Curioso isso tudo. No jogo você tem profissão, propriedade, opta por adquirir apólices de seguro e investir em ações e se você tiver dificuldades financeiras vai acabar cheio de notas promissórias. São essas coisas que o jogo tenta incutir na cabeça dos jogadores. Carreira, dinheiro, status.

A velha questão, o que é mais importante, ter ou ser? Ser, claro. E quem tem o que? Sou eu que tenho meus objetos ou sou escrava deles? Devo me sentir culpada por ter alguns gostos caros? Não sei se devo. Lembro de um professor que disse num discurso que o sucesso deveria ser saboreado gota a gota e sem culpa. Eu não tenho muitas certezas na vida. Tenho algumas. Mas que o relógio me lembrou o jogo de tabuleiro, isso lembrou...


p.s: Vai rolar um widget ali do lado onde eu vou colocar as musiquinhas que eu gosto e ouço. Dá pra ouvir direto ou baixar. Fica a critério de vocês.
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